O Brasil é um país peculiar em vários aspectos, especialmente no que tange ao funcionamento de suas instituições. Frequentemente, observa-se que estas entidades não se preocupam com os objetivos para os quais foram originalmente concebidas. Isto é evidente, por exemplo, nas instituições do sistema de justiça e nas universidades.
Com as instituições do sistema de justiça mais complexas do mundo, várias dessas organizações buscam para si atribuições que não lhes são próprias. Daí não ser incomum verificar o poder judiciário desempenhando funções típicas do Ministério Público; a Defensoria Pública executando atribuições que seriam mais apropriadas ao Ministério Público e o Ministério Público desenvolvendo atividades muito características do Poder Judiciário.
Noutra ponta, as universidades, que deveriam estar organizadas para formar profissionais altamente qualificados em várias áreas e produzir conhecimentos para os grandes desafios do século 21 em constante interação com a sociedade, também acrescentam suas mazelas com o aumento expressivo da burocracia e isolamento que, muitas vezes, afastam as empresas e outras importantes parceiras, limitando não apenas o acesso como também a própria produção do conhecimento.
Neste contexto de disfuncionalidades, as escolas superiores do Ministério Público e da magistratura têm reivindicado desenvolver atividades que são próprias de instituições acadêmicas de pós-graduação, por meio da oferta, por elas próprias de cursos stricto sensu.
O que quer dizer que escolas constituídas constitucionalmente e legalmente para capacitar e atualizar os magistrados e membros do Ministério Público, por meio de cursos de natureza profissional, pretendem assumir as vezes de instituições propriamente acadêmicas. Buscam, inclusive, avaliar suas revistas de divulgação dentro dos parâmetros acadêmicos de revistas científicas.
Papel das organizações é distorcido
No Brasil, observa-se que a essência de cada entidade não é respeitada. Não faltam exemplos em todos os setores. Os atores institucionais fazem questão de distorcer e desmoralizar o papel das organizações. É possível verificar nesse elemento um dos fatores do nosso atraso. Sem instituições que desempenhem adequadamente o seu papel, não se torna possível construir políticas públicas de excelência, uma democracia forte e uma sociedade próspera e engajada, uma vez que as coisas estão sempre fora do lugar.
Registra-se esses fatos para debater uma questão que vem atormentando a área de Direito da Capes/MEC, a qual vem sofrendo pressão para reconhecer a possibilidade de escolas superiores das instituições do sistema de justiça poderem oferecer cursos de pós-graduação stricto sensu, inclusive na modalidade acadêmica.
O sistema de pós-graduação brasileiro é robusto, mas poderia ser melhor se dispusesse de mais recursos e de uma diretriz mais clara e objetiva do estado brasileiro em relação ao espaço que pretende reservar à ciência brasileira no mundo, a partir do aproveitamento dos nossos melhores potenciais e profissionais talentosos.
De qualquer modo, ainda temos no Brasil um razoável sistema de controle da qualidade de pós-graduação stricto sensu, com padrão internacional, desenvolvido e aprimorado no âmbito das universidades e demais instituições de pesquisa, isto é, em locais apropriados para o desenvolvimento da crítica científica e geração de novos conhecimentos.
Pós-graduação não é dever do sistema de justiça
Escolas superiores das instituições do sistema de justiça por melhor que sejam — e existem muitas de excelência — não foram concebidas para oferecer cursos de pós-graduação stricto sensu, dentro da perspectiva crítica e de produção de conhecimento. Isso acontece simplesmente pelo fato de que tal missão compete às instituições acadêmicas ou de pesquisa, com as quais essas escolas podem fazer parcerias para oferecer cursos aos seus membros, garantindo, com isso, importantes reflexões sobre o real papel das instituições do sistema de justiça que representam.
A simples leitura da Constituição já indica que a função das escolas superiores das instituições do sistema de justiça é capacitar os seus operadores para o melhor desempenho de suas tarefas e não para formar pesquisadores. Obviamente, se algum membro do sistema de justiça deseja ser pesquisador, também deverá buscar as instituições universitárias ou de pesquisa para a obtenção dessa qualificação.
Desviar-se desse caminho é desvirtuar o real foco do objetivo das escolas superiores, ocupando um espaço que deve ser desenvolvido pelas instituições acadêmicas e de pesquisa, as quais precisam de mais recursos, mas também maior sintonia em relação aos problemas e necessidades dos demais setores de nossa comunidade, de modo a garantir um país mais desenvolvido e soberano, do ponto de vista tecnológico e científico, essencial para uma maior distribuição de renda e qualidade de vida para toda a sociedade brasileira.
Fonte: Consultor Jurídico